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sábado, 5 de novembro de 2011

Pintor da luz e das trevas da alma

Próximo do fim da vida, Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) entrou numa igreja na Sicília e foi espargido com água benta. Caravaggio perguntou que bem faria aquilo, e a resposta foi que ela apagaria os seus pecados venais. "Então é inútil", respondeu, "porque os meus são todos mortais".
Cena de horror. A tela Judith e Holofernes: afinidade com o espetáculo turbulento - Vincent West/ReutersComo muitas informações sobre o artista, este relato também pode ser uma meia verdade, talvez apenas mito. Mas ele dá uma ideia do caráter contestador do pintor e o seu fatalismo resignado e faz alusão à fonte da sua intransigente visão estética. Num quadro de São João Batista (pintado pouco antes de Caravaggio cometer um crime em Roma) o artista retrata não a imagem de um beato, mas a face carrancuda de um homem solitário. Em sua nova biografia do pintor, o jornalista e crítico Andrew Graham-Dixon descreve São João Batista de uma maneira que se ajusta bem ao pintor. "São João está numa atitude soturna e introvertida, perdido nos seus próprios pensamentos dominados pelo desprezo do mundo".
Se Caravaggio de fato menosprezava o mundo, esse sentimento, com frequência, era recíproco. De acordo com um dos seus primeiros biógrafos, Giovanni Pietro Bellori, este outro Michelangelo (nascido sete anos depois que o seu mais famoso homônimo faleceu), "carecia de invenzione, decoro, disegno, ou conhecimento da ciência da pintura". Publicada em 1672, essa avaliação é típica da recepção negativa da obra de Caravaggio até sua reputação ser ressuscitada na metade do século 20.
Caravaggio sempre foi admirado pelo seu realismo sedutor, mas, como escreveu Bellori, "o momento que o modelo era tirado dele, suas mãos e sua mente ficavam vazias". Graham-Dixon escreve que esta ênfase na falta de habilidades de pintura de Caravaggio contribuiu para a reputação do pintor como "uma espécie de câmera humana", que meramente copiava a natureza.
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A biografia do pintor, que Graham-Dixon levou uma década para concluir, distingue-se das precedentes em alguns aspectos importantes, o que torna a sua nova biografia um grande evento nesse âmbito de estudos de Caravaggio. Ele insere material de arquivos descoberto recentemente para escrever a mais plausível narrativa de fatos mesmo nebulosos, incluindo o homicídio cometido pelo pintor, seu exílio e sua morte. A força do livro repousa não apenas nas suas novas descobertas, mas na sua habilidosa síntese das fontes existentes. Por exemplo, ao reconstruir uma agressão misteriosa contra Caravaggio em Nápoles, um ano antes da sua morte, Graham-Dixon reexamina toda a documentação, os rumores, as teorias de conspiração e estabelece a exatidão de um relato feito anteriormente por um contemporâneo do artista, Giovanni Baglione.

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